terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O santo desiludido


Inclinara-se a palestra, no lar humilde de Cafarnaum, para os assuntos alusivos
à devoção, quando o Mestre narrou com significativo tom de voz:
— Um venerado devoto retirou-se, em definitivo, para uma gruta isolada, em
plena floresta, a pretexto de servir a Deus. Ali vivia, entre orações e pensamentos
que julgava irrepreensíveis, e o povo, crendo tratar-se de um santo messias, passou
a reverenciá-lo com intraduzível respeito. Se alguém pretendia efetuar qualquer
negócio do mundo, dava-se pressa em buscar-lhe o parecer. Fascinado pela alheia
consideração, o crente, estagnado na adoração sem trabalho, supunha dever situar
toda gente em seu modo de ser, com a respeitável desculpa de conquistar o
paraíso.
Se um homem ativo e de boa-fé lhe trazia à apreciação algum plano de serviço
comercial, ponderava, escandalizado:
— Um erro. Apague a sede de lucro que lhe ferve nas veias. Isto é ambição
criminosa. Venha orar e esquecer a cobiça.
Se esse ou aquele jovem lhe rogava opinião sobre o casamento, clamava, aflito:
— É disparate. A carne está submetendo o seu espírito. Isto é luxúria. Venha
orar e consumir o pecado.
Quando um ou outro companheiro lhe implorava conselho acerca de algum
elevado encargo, na administração pública, exclamava, compungido: um desastre.
Afaste-se da paixão pelo poder. Isto é vaidade e orgulho. Venha orar e vencer os
maus pensamentos.
Surgindo pessoa de bons propósitos, reclamando-lhe a opinião quanto a alguma
festa de fraternidade em projeto, objetava, irritadiço:
— Uma calamidade. O júbilo do povo édesregramento. Fuja à desordem. Venha
orar, subtraindo-se à tentação.
E assim, cada consulente, em vista da imensa autoridade que o santo
desfrutava, se entristecia de maneira irremediável e passava a partilhar-lhe os ócios
na soledade, em absoluta paralisia da alma.
O tempo, todavia, que tudo transforma, trouxe ao preguiçoso adorador a morte
do corpo físico.
Todos os seguidores dele o julgaram arrebatado ao Céu e ele mesmo acreditou
que, do sepulcro, seguiria direto ao paraíso. Com inexcedível assombro, porém, foi
conduzido por forças das trevas a terrível purgatório de assassinos. Em pranto
desesperado indagou, à vista de semelhante e inesperada aflição, dos motivos que
lhe haviam sitiado o espírito em tão pavoroso e infernal torvelinho, sendo
esclarecido que, se não fora homicida vulgar na Terra, era ali identificado como
matador da coragem e da esperança em centenas de irmãos em humanidade.
Silenciou Jesus, mas João, muito admirado, considerou:
— Mestre, jamais poderia supor que a devoção excessiva conduzisse alguém a
infortúnio tão grande!
O Cristo, porém, respondeu, imperturbável:
— Plantemos a crença e a confiança entre os homens, entendendo, entretanto,
que cada criatura tem o caminho que lhe é próprio. A fé sem obras é uma lâmpada
apagada. Nunca nos esqueçamos de que o ato de desanimar os outros, nas santas
aventuras do bem, é um dos maiores pecados diante do Poderoso e Compassivo
Senhor.

Nenhum comentário: