terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A bênção do estímulo

Comentavam os aprendizes que a verdade constitui dever primordial, acima de todas as obrigações comuns, quando Filipe afiançou que, a pretexto de cultuar-se a realidade, ninguém deveria aniquilar a consolação. E talvez por reportar-se André à franqueza com que o Mestre atendia aos mais variados problemas da vida, o
Senhor tomou a palavra e contou, atencioso:
— Devotado chefe de familia que lutava com bravura por amealhar recursos com que pudesse sustentar o barco doméstico, depois de desfrutar vasto período de fartura, viu-se pobre e abandonado pelos melhores amigos, de uma semana para outra, em virtude de enorme desastre comercial. O infeliz não soube suportar o
golpe que o mundo lhe vibrava no espírito e morreu, após alguns dias, ralado por inomináveis dissabores. Entregue a si mesma, ao pé de seis filhos jovens, a valorosa viúva enxugou o pranto e reuniu os rebentos, ao redor de velha mesa que lhes restava, e verificou que os moços amargurados pareciam absolutamente vencidos pela tristeza e pelo desânimo. Cercada de tantas lamentações e lágrimas, a senhora meditou, meditou... e, em seguida, dirigiu-se ao interior, de onde voltou sobraçando pequena caixa de
madeira, cuidadosamente cerrada, e falou aos rapazes com segurança:

— «Meus filhos, não nos achamos em tamanha miserabilidade. Neste cofre
possuímos valioso tesouro que a previdência paterna: lhes deixou. É fortuna capaz
de fazer a nossa felicidade geral; entretanto, os maiores depósitoS do mundo
desaparecem quando não se alimentam nas fontes do trabalho honesto e produtivo.
Em verdade, o nosso ausente, quando desceu ao repouso, nos empenhou em
dívidas pesadas; todavia, não será justo o esforço pelas resgatar com a
preservação de nosso precioso legado? Aproveitemos o tempo, melhorando a
própria sorte e, se concordam comigo, abriremos a caixa, mais tarde, a menos que
as exigências do pão se façam insuperáveis».
Belo sorriso de alegria e reconforto apareceu no semblante de todos.
Ninguém discordou da sugestão materna.
No dia seguinte, os seis jovens atacaram corajosamente o serviço da terra.
Valendo-se de grande gleba alugada, plantaram o trigo, com imenso desvelo, em
valoroso trabalho de colaboração e, com tanto devotamento se portaram que, findos
seis anos, os débitos da família se achavam liquidados, enorme propriedade rural
fora adquirida e o nome do pai coroado, de novo, pela honra justa e pela fortuna
próspera.
Quando já haviam superado de muito os bens perdidos pelo pai, reuniram-se,
certa noite, com a genitora, a fim de conhecerem o legado intacto.
A velhinha trouxe o cofre, com inexcedível carinho, sorriu satisfeita e abriu-o
sem grande esforço. Com assombro dos filhos, porém, dentro do estojo
encontraram sômente velho pergaminho com as belas palavras de Salomão:
— “O filho sábio alegra seu pai, mas o filho insensato é a tristeza de sua mãe.
Os tesouros da impiedade de nada aproveitam; contudo, a justiça livra-nos da morte
no mal. O Senhor não deixa com fome a alma do justo; entretanto, recusa a fazenda
dos ímpios. Aquele que trabalha com mão enganosa, empobrece; todavia, a mão
dos diligentes enriquece para sempre».
Entreolharam-se os rapazes com júbilo indizível e agradeceram a inolvidável
lição que o carinho materno lhes havia doado.
Silenciou o Mestre, sob a expressão de contentamento e curiosidade dos
discípulos e, finda a ligeira pausa, terminou, sentencioso:
— Quem classificaria de enganadora e mentirosa essa grande mulher? Seja o
nosso falar assim, sim» e «não, não» nos lances graves da vida, mas nunca
espezinhemos a bênção do estimulo nas lutas edificantes de cada dia. O grelo tenro
é a promessa do fruto. A pretexto de acender a luz da verdade, que ninguém destrua
a candeia da esperança.

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