terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A caridade desconhecida

A conversação em casa de Pedro versava, nessa noite, sobre a prática do bem,
com a viva colaboração verbal de todos.
Como expressar a compaixão, sem dinheiro? por que meios incentivar a
beneficência, sem recursos monetários?
Com essas interrogativas, grandes nomes da fortuna material eram invocados e
a maioria inclinava-se a admitir que sômente os poderosos da Terra se encontravam
à altura de estimular a piedade ativa, quando o Mestre interferiu, opinando,
bondoso:
— Um sincero devoto da Lei foi exortado por determinações do Céu ao exercício
da beneficência; entretanto, vivia em pobreza extrema e não podia, de modo algum,
retirar a mínima parcela de seu salário para o socorro aos semelhantes. Em
verdade, dava de si mesmo, quanto possível, em boas palavras e gestos pessoais
de conforto e estímulo a quantos se achavam em sofrimento e dificuldade; porém,
magoava-lhe o coração a impossibilidade de distribuir agasalho e pão com os
andrajosos e famintos à margem de sua estrada.
Rodeado de filhinhos pequeninos, era escravo do lar que lhe absorvia o suor.
Reconheceu, todavia, que, se lhe era vedado o esforço na caridade pública,
podia perfeitamente guerrear o mal, em todas as circunstâncias de sua marcha pela
Terra.
Assim é que passou a extinguir, com incessante atenção, todos os pensamentos
inferiores que lhe eram sugeridos; quando em contacto com pessoas interessadas
na maledicência, retraia-se, cortês, e, em respondendo a alguma interpelação
direta, recordava essa ou aquela pequena virtude da vítima ausente; se alguém,
diante dele, dava pasto à cólera fácil, considerava a ira como enfermidade digna de
tratamento e recolhia-se à quietude; insultos alheios batiam-lhe no espírito à
maneira de calhaus em barril de mel, porqüanto, além de não reagir, prosseguia
tratando o ofensor com a fraternidade habitual; a calúnia não encontrava acesso em
sua alma, de vez que toda denúncia torpe se perdia, inútil, em seu grande silêncio;
reparando ameaças sobre a tranquilidade de alguém, tentava desfazer as nuvens
da incompreensão, sem alarde, antes que assumissem feição tempestuosa; se
alguma sentença condenatória bailava em torno do próximo, mobilizava,
espontâneo, todas as possibilidades ao seu alcance na defesa delicada e
imperceptível; seu zelo contra a incursão e a extensão do mal era tão fortemente
minucioso que chegava a retirar detritos e pedras da via pública, para que não
oferecessem perigo aos transeuntes.
Adotando essas diretrizes, chegou ao termo da jornada humana, incapaz de
atender às sugestões da beneficência que o mundo conhece. Jamais pudera
estender uma tigela de sopa ou ofertar uma pele de carneiro aos irmãos
necessitados.
Nessa posição, a morte buscou-o ao tribunal divino, onde o servidor humilde
compareceu receoso e desalentado. Temia o julgamento das autoridades celestes,
quando, de improviso, foi aureolado por brilhante diadema, e, porque indagasse, em
lágrimas, a razão do inesperado prêmio, foi informado de que a sublime
recompensa se referia à sua triunfante posição na guerra contra o mal, em que se
fizera valoroso empreiteiro.
amigo:
— Distribuamos o pão e a cobertura, acendamos luz para a ignorância e
intensifiquemos a fraternidade aniquilando a discórdia, mas não nos esqueçamos do
combate metódico e sereno contra o mal, em esforço diário, convictos de que,
nessa batalha santificante, conquistaremos a divina coroa da caridade
desconhecida.
Fixou o Mestre nos aprendizes o olhar percuciente e calmo e concluiu, em tom

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