terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O príncipe sensato

Comentavam os apóstolos, entre si, qual a conduta mais aconselhável diante
do Todo-Poderoso, quando o Mestre narrou com brandura:
— Certo rei, senhor de imensos domínios, desejando engrandecer o espírito
dos filhos para conferir-lhes herança condigna, conduziu-os a extenso vale
verdoengo e rico de seu enorme império e confiou a cada um determinada fazenda,
que deviam preservar e enriquecer pelo trabalho incessante. O Pai desejava deles a
coroa da compreensão, do amor e da sabedoria, somente conquistável através da
educação e do serviço; e, como devia utilizar material transitório, deu-lhes tempo
marcado para as construções que lhes seriam indispensáveis, mais tarde, aos
serviços de elevação. Assim procedia, porque o vale era sujeito a modificações e
chegaria um momento em que arrasadora tempestade visitaria a região, guardandose
em segurança apenas aqueles que houvessem erguido forte reduto. Assim que o
soberano se retirou, os filhos jovens, seguidos pelas numerosas tribos que os
acompanhavam, descansaram, longamente, deslumbrados com a beleza das
planícies banhadas de sol. Quando se levantaram para a tarefa, entraram em compridas
conversações, com respeito às leis de solidariedade, justiça e defesa, cada
qual a exigir especiais deferências dos outros. Quase ninguém cuidava da aplicação
dos regulamentos estabelecidos pelo governo central. Os príncipes e seus
afeiçoados, em maioria, por questões de conforto pessoal, esmeravam-se em
procurar recursos sutis com que pudessem sonegar, sem escândalos visíveis entre
si, os princípios a que haviam jurado obediência e respeito. E tentando enganar
o Magnânimo Pai, por meio da bajulação, ao invés de honrá-lo com o trabalho
sadio, internaram-se em complicadas contendas, em torno de problemas íntimos do
soberano.
Gastaram anos a fio, discutindo-lhe a apresentação pessoal. Insistiam alguns
que ele revelava no rosto a brancura do lírio, enquanto outros perseveravam em
proclamar-lhe a cor bronzeada, idêntica à de muitos cativos de Sídon. Muitos
afirmavam que ele possuía um corpo de gigante e não poucos exigiam fôsse ele um
anjo coroado de estrelas.
Ao passo que as rixas verbais se multiplicavam, o tempo ia-se esgotando e os
insetos destruidores, infinitamente reproduzidos, invadiram as terras, aniquilando
grande parte dos recursos preciosos. Detritos desceram de serras próximas e
fizeram compacto acervo de monturo naquelas regiões, enquanto os príncipes levianos,
inteiramente distraídos das obrigações fundamentais que lhes cabiam, se
engalfinhavam, a todo instante, a propósito de ninharias.
Houve, porém, um filho bem-avisado que anotou os decretos paternais e
cumpriu-os. Jamais esqueceu os conselhos do rei e, quanto lhe era possível, os
estendia aos companheiros mais próximos. Utilizou grande número de horas que as
leis vigentes lhe concediam ao repouso e construiu sólido abrigo que lhe garantiria a
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tranquilidade no futuro, semeando beleza e alegria em toda a fazenda que o
genitor lhe cedera por empréstimo.
E assim, quando a tormenta surgiu, renovadora e violenta, o príncipe sensato
que amara o monarca e servira-o, desvelado e carinhoso, estendendo-lhe as lições
libertadoras, pela fraternidade pura, e cumprindo-lhe a vontade justa e bondosa,
pelo trabalho de cada dia, com as aflições construtivas da alma e com o suor do
rosto, foi naturalmente amparado num santuário de paz e segurança que os seus
irmãos discutidores não encontraram.
Doce silêncio pairou na sala singela...
Decorridos alguns minutos, o Mestre fixou os olhos lúcidos na pequena
assembléia e concluiu:
— Quem muito analisa, sem espírito de serviço, pode viciar-se facilmente nos
abusos da palavra, mas ninguém se arrependerá de haver ensinado o bem e
trabalhado com as próprias forças, em nome do Pai Celestial, no bendito caminho
da vida.

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