terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A parábola relembrada

Depois da parábola do bom samaritano, ànoite, em casa de Simão, Tadeu,

sinceramente interessado no assunto, rogou ao Mestre fôsse mais explícito no
ensinamento, e Jesus, com a espontaneidade habitual, falou:
— Um homem enfermo jazia no chão, em esgares de sofrimento, às portas de
grande cidade, assistido por pequena massa popular menos esclarecida e
indiferente.
Passou por ali um moço romano de coração generoso, em seu carro apressado, e
atirou-lhe duas moedas de prata, que um rapazelho de maus costumes subtraiu às
ocultas.
Logo após, transitou pelo mesmo local um venerando escriba da Lei, que,
alegando serviços prementes, prometeu enviar autoridades, em benefício do
mendigo anônimo.
Quase de imediato, desfilou por ali um sacerdote que lançou ao viajante
desamparado um gesto de bênção e, afirmando que o culto ao Supremo Senhor
esperava por ele, exortou o povo a asilar o doente e alimentá-lo.
Depois dele, surgiu, de relance, respeitável senhora, a quem o pobre se dirigiu
em comovedora súplica; todavia, a nobre matrona, lastimando as dificuldades da
sua condição de mulher, invocou o cavalheirismo masculino, para aliviá-lo, como se
fazia imprescindível.
Minutos após, um grande juiz varou o mesmo trecho da via pública asseverando
que nomearia testemunhas a fim de saber se o mísero não seria algum viciado
vulgar, afastando-se, lépido, sob o pretexto de que a oportunidade lhe não era
favorável.
Decorridos mais alguns instantes, veio àcena um mercador de bolsa que,
condoído, asseverou a sua carência de tempo e deu vinte moedas a um homem que
lhe pareceu simpático, a fixa de que o problema de assistência fôsse resolvido, mas
o preposto improvisado era um malfeitor evadido do cárcere e fugiu com o dinheiro
sem prestar o socorro prometido.
O doente tremia e suava de dor, rojado ao pó, quando surgiu ali velho publicano,
considerado de má vida, por não adorar o Senhor, segundo as regras dos fariseus.
Com espanto de todos, aproximou-se do infeliz, endereçou-lhe palavras de
encorajamento e carinho, deu-lhe o braço, levantou-o e, sustentando-o com as próprias
energias, conduziu-o a uma estalagem de confiança, fornecendo-lhe
medicação adequada e dividindo com ele o reduzido dinheiro que trazia consigo.
Em seguida, retomou a sua jornada, seguindo tranqüilamente o seu caminho.
Depois de interromper-se, ligeiramente, o Mestre perguntou ao discípulo:
— Em tua opinião, quem exerceu a caridade legítima?
— Ah! sem dúvida — exclamou Tadeu, bem-humorado —, embora
aparentemente desprezível, foi o publicano, porqüanto, além de dar o dinheiro e a
palavra, deu também o sentimento, o tempo, o braço e o estímulo fraterno,
utilizando, para isso, as próprias forças.
Jesus, complacente, fitou no aprendiz os olhos penetrantes e rematou:
— Então, fase tu o mesmo. A caridade, por substitutos, indiscutivelmente é
honrosa e louvável, mas o bem que praticamos em sentido direto, dando de nós
mesmos, é sempre o maior e o mais seguro de todos.

A resposta celeste

Solicitando Bartolomeu esclarecimentos quanto às respostas do Alto às súplicas
dos homens, respondeu Jesus para elucidação geral:
— Antigo instrutor dos Mandamentos Divinos ia em missão da Verdade Celeste,
de uma aldeia para outra, profundamente distanciadas entre si, fazendo-se
acompanhar de um cão amigo, quando anoiteceu, sem que lhe fôsse possível
prever o número de milhas que o separavam do destino.
Reparando que a solidão em plena Natureza era medonha, orou, implorando a
proteção do Eterno Pai, e seguiu.
Noite fechada e sem luar, percebeu a existência de larga e confortadora cova, à
margem da trilha em que avançava, e acariciando o animal que o seguia, vigilante,
dispôs-se a deitar-se e dormir. Começou a instalar-se, pacientemente, mas espessa
nuvem de moscas vorazes o atacou, de chofre, obrigando-o a retomar o caminho.
O ancião continuou a jornada, quando se lhe deparou volumoso riacho, num
trecho em que a estrada se bifurcava. Ponte rústica oferecia passagem pela via
principal, e, além dela, a terra parecia sedutora, porque, mesmo envolvida na
sombra noturna, semelhava-se a extenso lençol branco.
O santo pregador pretendia ganhar a outra margem, arrastando o companheiro
obediente, quando a ponte se desligou das bases, estalando e abatendo-se por
inteiro.
Sem recursos, agora, para a travessia, o velhinho seguiu pelo outro rumo, e,
encontrando robusta árvore, ramalhosa e acolhedora, pensou em abrigar-se,
convenientemente, porque o firmamento anunciava a tempestade pelos trovões
longínquos. O vegetal respeitável oferecia asilo fascinante e seguro no próprio
tronco aberto. Dispunha-se ao refúgio, mas a ventania começou a soprar tão forte
que o tronco vigoroso caiu, partido, sem remissão.
Exposto então à chuva, o peregrino movimentou-se para diante.
Depois de aproximadamente duas milhaS, encontrou um casebre rural,
mostrando doce luz por dentro, e suspirou aliviado.
Bateu à porta. O homem ríspido que veio atender foi claro na negativa, alegando
que o sítio não recebia visitas à noite e que nao lhe era permitido acolher pessoas
estranhas.
Por mais que chorasse e rogasse, o pregador foi constrangido a seguir além.
Acomodou-se, como pôde, debaixo do temporal, nas cercanias da casinhola
campestre; no entanto, a breve espaço, notou que o cão, aterrado pelos relâmpagos
sucessivos, fugia a uivar, perdendo-se nas trevas.
O velho, agora sôzinho, chorou angustiado, acreditando-Se esquecido por Deus
e passou a noite ao relento. Alta madrugada, ouviu gritos e palavrões indistintos,
sem poder precisar de onde partiam.
Intrigado, esperou o alvorecer e, quando o Sol ressurgiu resplandecente,
ausentoU-Se do esconderijo, vindo a saber, por intermédio de camponeses aflitos,
que uma quadrilha de ladrões pilhara a choupana onde lhe fora negado o asilo,
assassinando os moradores.
Repentina luz espiritual aflorou-lhe na mente.
Compreendeu que a Bondade Divina o livrara dos malfeitores e que, afastando
dele o cão que uivava, lhe garantira a tranquilidade do pouso.
Informando-Se de que seguia em trilho oposto à localidade do destino,
empreendeu a marcha de regresso, para retificar a viagem, e, junto à ponte
rompida, foi esclarecido por um lavrador de que a terra branca, do outro lado, não
passava de pântano traiçoeiro, em que muitos viajores imprevidentes haviam
sucumbido.
O velho agradeceu ô salvamento que o Pai lhe enviara e, quando alcançou a
árvore tombada, um rapazinho observou-lhe que o tronco, dantes acolhedor, era
conhecido covil de lobos.
Muito grato ao Senhor que tão milagrosa-mente o ajudara, procurou a cova onde
tentara repouso e nela encontrou um ninho de perigosas serpentes.
Endereçando infinito reconhecimento ao Céu pelas expressões de variado
socorro que não soubera entender, de pronto, prosseguiu adiante, são e salvo, para
desempenho de sua tarefa.
Nesse ponto da curiosa narrativa, o Mestre fitou Bartolomeu demoradamente e
terminou:
— O Pai ouve sempre as nossas rogativas, mas é preciso discernimento para
compreender as respostas dEle e aproveitá-las.

O dom esquecido

Centralizara-se geral atenção em torno de curiosa palestra referente aos dons
com que o Céu aquinhoa as almas, na Terra, quando o Senhor comentou, paciente:
— Existiu um homem banhado pela graça do merecimento, que recebeu do Alto
a permissão de abeirar-se do Anjo Dispensador dos dons divinos que florescem no
mundo.
Ante o Ministro Celeste, o mortal venturoso pediu a bênção da Mocidade.
Recebeu a concessão, mas, em breve, reconheceu que a juventude poderia ser
força e beleza, mas também era inexperiência e fragilidade espiritual, e, já
desinteressado, voltou ao Doador Sublime e solicitou-lhe a Riqueza.
Conseguiu a abastança e gozou-a, longo tempo; todavia, reparou que a
retenção de grandes patrimônios provoca a inveja maligna de muitos. Cansando-se
na defesa laboriosa dos próprios bens, procurou o Anjo e rogou-lhe a Liberdade.
Viu-se realmente livre. No entanto, foi defrontado por cruéis demônios invisíveis,
que lhe perturbaram a caminhada, enchendo-lhe a cabeça de inquietudes e
tentações.
Extenuado, em face do permanente conflito interior em que vivia, retornou ao
Celeste Dispensador e suplicou o Poder.
Entrou na posse da nova dádiva e revestiu-se de grande autoridade. Entendeu,
porém, mais cedo que esperava, que o mando gera ódio e revolta nos corações
preguiçosos e incompreensíveis e, atormentado pelos estiletes ocultos da
indisciplina e da discórdia, dirigiu-se ao benfeitor• e implorou-lhe a Inteligência.
Todavia, na condição de cientista e homem de letras, perdeu o resto de paz que
desfrutava. Compreendeu, depressa, que não lhe era possível semear a realidade,
de acordo com os seus desejos. Para não ser vitima da reação destruidora dos
próprios beneficiados, era compelido a colocar um grão de verdade entre mil flores
de fantasia passageira e, longe de acomodar-se à situação, tornou à presença do
Anjo e pediu-lhe o Matrimônio Feliz.
Satisfeito em seu novo desígnio, reconfortou-se em milagroso ninho doméstico,
estabelecendo graciosa família, mas, um dia, apareceu a morte e roubou-lhe a
companheira.
Angustiado pela viuvez, procurou o Ministro do Eterno e afirmando que se
equivocara, mais uma vez, suplicou-lhe a graça da Saúde.
Recebeu a concessão. Entretanto, logo que se escoaram alguns anos, surgiu a
velhice e desfigurou-lhe o corpo, desgastando-o e enrugando-o sem compaixão.
Atormentado e incapaz agora de ausentar-se de casa, o Anjo amigo veio ao
encontro dele e, abraçando-o, paternal, indagou que novo dom pretendia do Alto.
O infeliz declarou-se em falência.
Que mais poderia pleitear?
Foi então que o glorioso mensageiro lhe explicou que ele, o candidato à
felicidade, se esquecera do maior de todos os dons que pode sustentar um homem
no mundo, o dom da Coragem que produz entusiasmo e bom ânimo para o serviço
indispensável de cada dia...
Jesus interrompeu-se por alguns minutos; depois, sorrindo ante a pequena
assembleia, rematou:
- Formosa é a Mocidade, agradável é à Fortuna, admirável é a Liberdade,
para Deus, de pouca utilidade são os dons temporários na experiência transitória.
E tomando ao colo um dos meninos presentes, indicou-lhe o firmamento estrelado, como a dizer que sômente no Alto a felicidade perene das criaturas encontraria a verdadeira pátria.
brilhante é o Poder, respeitável é a Inteligência, santo é o Casamento Venturoso,bendita é a Saúde da carne, mas se o homem não possui Coragem para sobreporse aos bens e males da vida humana, a fim de aprender a consolidar-se no caminho

O valor do serviço


sobre um texto de Isaías, passou a comentar a diferença entre os justos e injustos,
de maneira a destacar o valor da santidade na Terra.
O Mestre ouviu calmamente, e, talvez para prevenir os excessos de opinião,
narrou, com bondade:
— Certo fariseu, de vida irrepreensível, atingiu posição de imenso respeito
público. Passava dias inteiros no Templo, entre orações e jejuns incessantes.
Conhecia a Lei como ninguém. Desde Moisés aos últimos Profetas, decorara os
mais importantes textos da Revelação. Se passava nas ruas, era tão grande a
estima de que se fizera credor, que as próprias crianças se curvavam, reverentes.
Consagrara-se ao Santo dos Santos e fazia vida perfeita entre os pecadores da
época. Alimentava-se frugalmente, vestia túnica sem mancha e abstinha-se de falar
com toda pessoa considerada impura.
Acontece, todavia, que, havendo grande peste em cidade próxima de
Jerusalém, um Anjo do Senhor desceu, prestimoso, a socorrer necessitados e
doentes, em nome da Divina Providência.
Necessitava, porém, das mãos diligentes de um homem, através das quais
pudesse trabalhar, apressado, em benefício de enfermos e sofredores.
Lembrou-se de recorrer ao santo fariseu, conhecido na Corte Celeste por seus
reiterados votos de perfeição espiritual, mas o devoto se achava tão profundamente
mergulhado em suas contemplações de pureza que não lhe sobrava o mínimo
espaço interior para entender qualquer pensamento de socorro às vítimas da
epidemia.
Como cooperar com o emissário divino, nesse setor, se evitava o menor
contacto com, o mundo vulgar, classificado, em sua mente, como vale da imundície?
O Anjo insistia no chamamento; contudo, a peste era exigente e não admitia
delongas.
O mensageiro afastou-se e recorreu a outras pessoas amantes da Lei.
Nenhuma, entretanto, se julgava habilitada a contribuir.
Ninguém desejava arriscar-se.
Instado pelas reclamações do serviço, o Enviado de Cima encontrou antigo criminoso que mantinha o propósito de regenerar-se. Através dos fios invisíveis do pensamento, convidou-o a segui-lo; e o velho ladrão, sinceramente transformado,não hesitou. Obedeceu ao doce constrangimento e votou-se sem demora, com a espontaneidade da cooperação robusta e legítima, ao ministério do socorro e da
salvação.
Enterrou cadáveres insepultos, improvisou remédios adequados à situação,
semeou o bom ânimo, aliviou os aflitos, renovou a coragem dos enfermos, libertou
inúmeras criancinhas ameaçadas pelo mal, criou serviços de consolação e esperança
e, com isso, conquistou sólidas amizades no Céu, adiantando-se de
surpreendente maneira, no caminho do Paraíso.
Os presentes registraram a pequena história, entre a admiração e o
desapontamento e, porque ninguém interferisse, o Senhor comentou, em seguida a
longo intervalo:
— A virtude é sempre grande e venerável, mas não há de cristalizar-se à
convívio.
E reparando que os ouvintes se retraíam no grande silêncio, o Senhor encerrou o culto doméstico da Boa Nova, a fim de que o repouso trouxesse aos companheiros multiplicadas bênçãos de paz e meditação, sob o firmamento pontilhado de luz.
Filipe, velho pescador de Cafarnaum, enlevado com as explanações de Jesusmaneira de jóia rara sem proveito. Se o amor cobre a multidão dos pecados, o serviço santificante que nele se inspira pode dar aos pecadores convertidos ao bem a companhia dos anjos, antes que os justos ociosos possam desfrutar o celeste

A visita da Verdade

A visita da Verdade
Certa feita, disse o Mestre que só a Verdade fará livre o homem; e, talvez
porque lhe não pudesse apreender, de imediato, a vastíssima extensão da
afirmativa, perguntou-lhe Pedro, no culto doméstico:
— Senhor, que é a Verdade?
Jesus fixou no rosto enigmática expressão e respondeu:
— A Verdade total é a Luz Divina total; entretanto, o homem ainda está longe de
suportar-lhe a sublime fulguração.
Reparando, porém, que o pescador continuava faminto de esclarecimentos
novos, o Amigo Celeste meditou alguns minutos e falou:
— Numa caverna escura, onde a claridade nunca surgira, demorava-se certo
devoto, implorando o socorro divino. Declarava-se o mais infeliz dos homens, não
obstante, em sua cegueira, sentir-se o melhor de todos. Reclamava contra o
ambiente fétido em que se achava, O ar empestado sufocava-o — dizia ele em
gritos comoventes. Pedia uma porta libertadora que o conduzisse ao convívio do dia
claro. Afirmava-se robusto, apto, aproveitável. Por que motivo era conservado ali,
naquele insulamento doloroso? Chorava e bradava, não ocultando aflições e
exigências. Que razões o obrigavam a viver naquela atmosfera insuportável?
Notando Nosso Pai que aquele filho formulava súplicas incessantes, entre a
revolta e a amargura, profundamente compadecido enviou-lhe a Fé.
A sublime virtude exortou-o a confiar no futuro e a persistir na oração.
O infeliz consolou-se, de algum modo, mas, a breve tempo, voltou a lamuriar.
Queria fugir ao monturo e, como se lhe aumentassem as lágrimas, o Todo-
Poderoso mandou-lhe a Esperança.
A emissária afagou-lhe a fronte suarenta e falou-lhe da eternidade da vida,
buscando secar-lhe o pranto desesperado. Para isso, rogou-lhe calma, resignação,
fortaleza.
O pobre pareceu melhorar, mas, decorridas algumas horas, retomou a
lamentação.
Não podia respirar — clamava, em desalento.
Condoí do, determinou o Senhor que a Caridade o procurasse.
A nova mensageira acariciou-o e alimentou-o, endereçando-Lhe palavras de
carinho, qual se lhe fora abnegada mãe.
Todavia, porque o mísero prosseguisse gritando, revoltado, o Pai Compassivo
enviou-lhe a Verdade.
Quando a portadora de esclarecimento se fêz sentir na forma de uma grande
luz, o infortunado, então, viu-se tal qual era e apavorou-se. Seu corpo era um
conjunto monstruoso de chagas pustulentas da cabeça aos pés e, agora, percebia,
espantado, que ele mesmo era o autor da atmosfera intolerável em que vivia, O
pobre tremeu cambaleante, e, notando que a Verdade serena lhe abria a porta da
Libertação, horrorizou-se de si mesmo; sem coragem de cogitar da própria cura,
longe de encarar a visitadora, frente a frente, para aprender a limpar-se e a purificarse,
fugiu, espavorido, em busca de outra furna onde conseguisse esconder a própria
miséria que só então reconhecia.
O Mestre fêz longa pausa e terminou:
— Assim ocorre com a maioria dos homens, perante a realidade. Sentem-se
com direito à recepção de todas as bênçãos do Eterno e gritam fortemente,
implorando a ajuda celestial. Enquanto amparados pela Fé, pela Esperança ou pela
Caridade, consolam-se e desconsolam-se, crêem e descrêem, timidos, irritadiços e
hesitantes; todavia, quando a Verdade brilha diante deles, revelando-lhes a
condição em que se encontram, costumam fugir, apressados, em busca de
esconderijos tenebrosos, dentro dos quais possam Cultivar a ilusão

Os sinais da renovação


— E quando o Reino Divino estiver às portas dos homens, a alma do mundo
estará renovada.
O mais poderoso não será o mais desapiedado e, sim, o que mais ame.
O vencedor não será aquele que guerrear o inimigo exterior até à morte em rios
de sangue, mas o que combater a iniquidade e a ignorância, dentro de si mesmo,
até à extinção do mal, nos círculos da própria natureza.
O mais eloquente não será o dono do mais belo discurso, mas, sim, o que aliar
as palavras santificantes aos próprios atos, elevando o padrão da vida, no lugar
onde estiver.
O mais nobre não será o detentor do maior número de títulos que lhe conferem
a transitória dominação em propriedades efêmeras da Terra, mas aquele que
acumular, mais intensamente, os créditos do amor e da gratidão nos corações das
mães e das crianças, dos velhos e dos enfermos, dos homens leais e honestos,
operosos e dignos, humildes e generosos.
O mais respeitável não será o dispensador de ouro e poder armado e, sim, o de
melhor coração.
O mais santo não será o que se isola em altares do supremo orgulho espiritual,
evitando o contacto dos que padecem, por temer a degradação e a imundície, mas,
sim, aquele que descer da própria grandeza, estendendo mãos fraternas aos
miseráveis e sofredores, elevando-lhes a alma dilacerada aos planos da alegria e do
entendimento.
O mais puro não será o que foge ao intercâmbio com os maus e criminosos
confessos, mas aquele que se mergulha no lodo para salvar os irmãos decaídos,
sem contaminar-se.
O mais sábio não será o possuidor de mais livros e teorias, mas justamente
aquele que, embora saiba pouco, procura acender uma luz nas sombras que ainda
envolvem o irmão mais próximo...
O Amigo Divino pousou os olhos lúcidos na noite clara que resplandecia, lá fora,
em pleno coração da Natureza, fêz longo intervalo e acentuou:
—Nessa época sublime, os homens não se ausentarão do lar em combate aos
próprios irmãos, por exigências de conquista ou pelo ódio de raça, em tempestades
de lágrimas e sangue, porqüanto estarão guerreando as trevas da ignorância, as
chagas da enfermidade, as angústias da fome e as torturas morais de todos os matizes...
Quando o arado substituir o carro suntuoso dos triunfadores, nas exibições
públicas de grandeza coletiva; quando o livro edificante absorver o lugar da espada
no espírito do povo; quando a bondade e a sabedoria presidirem às competições
das criaturas para que os bons sejam venerados; quando o sacrifício pessoal em
proveito de todos constituir a honra legítima da individualidade, a fixa de que a paz e
o amor não se percam, dentro da vida — então uma Nova Humanidade estará no
berço luminoso do Divino Reino...
Nesse ponto, a palavra doce e soberana fêz branda pausa e, lá fora, na tepidez
da noite suave, as estrelas fulgentes, a cintilarem no alto, pareciam saudar essa era
distante...
Ante a assembléia familiar, o Mestre tomou a palavra e falou, persuasivo:

Os mensageiros distraídos


travavam incessantemente em torno da fé, nos círculos do farisaismo de várias
escolas, quando o Cristo, dentro da profunda simplicidade que lhe era característica,
narrou, tolerante:
— Um grande senhor recebeu alarmantes notícias de vasto agrupamento de
servos, em zona distante da sede do seu governo, que se viam fustigados por febre
maligna, e, desejoso de socorrer os tutelados que sofriam na região remota de seus
domínios, enviou-lhes mensageiros de confiança, conduzindo remédios adequados
à situação e providências alusivas ao reajustamento geral.
Os emissários sairam do palácio com grandes promessas de trabalho,
segurança e eficiência na missão; todavia, assim que se viram fora das portas do
senhor, começaram a rixar pela escolha dos caminhos.
Uns reclamavam o atalho, outros a planície sem espinheiros e outros, ainda,
pediam a passagem através dos montes.
Longos dias perderam na disputa, até que o grupo se desuniu, cada falange
atendendo aos próprios caprichos, com absoluto esquecimento do objetivo
fundamental.
As dificuldades, porém, não foram solucionadas com decisão. Criados os
roteiros diferentes, como que se dilataram os conflitos. Reduzidas agora,
numêricamente, as expedições sofreram, com mais rigor, os golpes esterilizantes
das opiniões pessoais. Os viajantes não cuidavam senão de inventar novos motivos
para o atrito inútil. Entre os que marchavam pelo trilho mais curto, pela vargem e
pela serra lavraram discussões improdutivas, contundentes e intermináveis. Dias e
noites preciosos eram despendidos em comentários ruidosos quanto à febre, quanto
à condição dos enfermos ou quanto às paisagens em torno. Horas difíceis de
amargura e desarmonia, de momento a momento, interrompiam a viagem, sendo a
muito custo evitadas as cenas de pugilato e homicídio.
Surgiam as contendas, a propósito de mínimas questões, com pleno
desperdício da oportunidade, e, em razão disso, tanto se atrasaram os viajores do
atalho, quanto os da planície e do monte, de vez que se encontraram no vale da
peste a um só tempo, com enorme e irremediável desapontamento para todos,
porqüanto, à míngua do prometido recurso, não sobrara nenhum doente vivo na
carne.
A morte devorara-os, um a um, enquanto os mensageiros discutidores matavam
o tempo, através da viagem.
O Mestre fixou nos aprendizes o olhar muito lúcido e aduziu:
— Neste símbolo, temos o mundo atacado pela peste da maldade e da descrença e vemos o retrato dos portadores da medicação celeste, que são os religiosos de todos os matizes, que falam na Terra, em nome do Pai. Os homens iluminados pela sabedoria da fé, entretanto, apesar de haverem recebido valiosos
recursos do Céu para os que sofrem e choram, em consequência da ignorância e da aflição dominantes no mundo, olvidam as obrigações que lhes assinalam a vida e,sobrepondo os próprios caprichos aos propósitos do Supremo Senhor, se desmandam em desvarios verbais de toda espécie. Enquanto alimentam o distúrbio,
levianos e distraídos, os necessitados de luz e socorro desfalecem à falta de
E afagando uma das crianças presentes, qual se concentrasse todas as esperanças no sublime futuro, finalizou, sorridente e calmo:
— A discussão, por mais proveitosa, nunca deve distrair-nos do serviço que o
Senhor nos deu a fazer.
Os ouvintes do culto da Boa Nova discorriam sobre as polêmicas que seassistência e dedicação.

O talismã divino

sublimes de que o Mestre dava testemunho amplo, curando loucos e cegos, quando
Isabel, a zelosa genitora de João e Tiago, indagou, sem preâmbulos:
— Senhor, terás contigo algum talismã de cuja virtude possamos desfrutar?
algum objeto mágico que nos possa favorecer?
Jesus pousou na matrona os olhos penetrantes e falou, risonho:
— Realmente, conheço um talismã de maravilhoso poder. Usando-lhe os
milagrosos recursos, é possível iniciar a aquisição de todos os dons de Nosso Pai.
Oferece a descoberta dos tesouros do amor que resplandecem ao redor de nós,
sem que lhes vejamos, de pronto, a grandeza. Descortina o entendimento, onde a
desarmonia castiga os corações. Abre a porta às revelações da arte e da ciência.
Estende possibilidades de luminosa comunhão com as fontes divinas da vida.
Convida à bênção da meditação nas coisas sagradas. Reata relações de
companheiros em discordância. Descerra passagens de luz aos espíritos que se
demoram nas sombras. Permite abençoadas sementeiras de alegria. Reveste-se de
nil oportunidades de paz com todos. Indica vasta rede de trilhos para o trabalho
salutar. Revela mil modos de enriquecer a vida que vivemos. Facilita o acesso da
alma ao pensamento dos grandes mestres. Dá comunicações com os mananciais
celestes da intuição.
— Que mais? — disse o Senhor, imprimindo ênfase à pergunta.
E após sorrir, complacente, continuou:
— Sem esse divino talismã, é impossível começar qualquer obra de luz e paz na
Terra.
Os olhos dos ouvintes permutavam expressões de assombro, quando a esposa
de Zebedeu inquiriu, espantada:
—Mestre, onde poderemos adquirir semelhante bênção? Dize-nos. Precisamos
desse acumulador de felicidade.
O Cristo, então, acrescentou, bem-humorado:
— Esse bendito talismã, Isabel, é propriedade comum a todos. É “a hora que
estamos atravessando”... Cada minuto de nossa alma permanece revestido de
prodigioso poder oculto, quando sabemos usá-lo no Infinito Bem, porque toda
grandeza e toda decadência, toda vitória e toda ruína são iniciadas com a
colaboração do dia.
E diante da perplexidade de todos, rematou:
—O tempo é o divino talismã que devemos aproveitar.
Entabularam os familiares interessante palestra, acerca das faculdades

O rico vigilante

Tiago, o mais velho, em explanação preciosa, falou sobre as ânsias de riqueza,
tão comuns em todos os mortais, e, findo o interessante debate doméstico, Jesus
comentou, sorridente:
— Um homem temente a Deus e consagrado à retidão, leu muitos conselhos
alusivos à prudência, e deliberou trabalhar, com afinco, de modo a reter um tesouro
com que pudesse beneficiar a família. Depois de sentidas orações, meteu-se em
várias empresas, aflito por alcançar seus fins. E, por vinte anos consecutivos,
ajuntam tou moeda sobre moeda, formando o patrimônio de alguns milhões.
Quando parou de agir, a fim de apreciar a sua obra, reconheceu, com
desapontamento, que todos os quadros da própria vida se haviam alterado, sem
que ele mesmo percebesse.
O lar, dantes simples e alegre, adquirira feição sombria. A esposa fizera-se
escrava de mil obrigações destinadas a matar o tempo; os filhos cochichavam entre
si, consultando sobre a herança que a morte do pai lhes reservaria; a amizade fiel
desertara; os vizinhos, acreditando-o completamente feliz, cercaram-no de inveja e
ironia; as autoridades da localidade em que vivia obrigavam-no a dobradas atitudes
de artifício, em desacordo com a sinceridade do seu coração. Os negociantes
visitavam-no, a cada instante, propondo-lhe transações criminosas ou descabidas;
servidores bajulavam-no, com declarado fingimento quando ao lado de seus
ouvidos. para lhe amaldiçoarem o nome, por trás de portas semicerradas. Em razão
de tantos distúrbios, era compelido a transformar a residência numa fortaleza,
vigiando-se contra tudo e contra todos.
Sobrava-lhe tempo, agora, para registrar as moléstias do corpo e raramente
passava algum dia sem as irritações do estômago ou sem dores de cabeça.
Em poucas semanas de meticulosa observação, concluiu que a fortuna
trancafiada no cofre era motivo de desilusões e arrependimentos sem termo.
Em certa noite, porque não mais tolerasse as preocupações obcecantes do novo
estado, orou em lágrimas, suplicando a inspiração do Senhor. Depois da comovente
rogativa, eis que um anjo lhe aparece na tela evanescente do sonho e lhe diz,
compadecido:
— Toda fortuna que corre, à maneira das águas cristalinas da fonte, é uma
bênção viva, mas toda riqueza, em repouso inútil, é poço venenoso de águas
estagnadas... Por que exigiste um rio, quando o simples copo d’água te sacia a
sede? como te animaste a guardar, ao redor de ti, celeiros tão recheados, quando
alguns grãos de trigo te bastam à refeição? que motivos te induziram a amontoar
centenas de peles, em torno do lar, quando alguns fragmentos de lã te aquecem o
corpo, em trânsito para o sepulcro?... Volta e converte a tua arca de moedas em
cofre milagroso de salvação! Estende os júbilos do trabalho, cria escolas para a
sementeira da luz espiritual e improvisa a alegria a muitos! Sômente vale o dinheiro
da Terra pelo bem que possa fazer!
Sob indizível espanto, o caçador de ouro despertou transformado e, do dia
seguinte em diante, passou a libertar as suas enormes reservas, para que todos os
seus vizinhos tivessem, junto dele, as bênçãos do serviço e do bom ânimo...
Desde o primeiro sinal de semelhante renovação, a esposa fixou-o com
estranheza e revolta, os filhos odiaram-no e os seus próprios beneficiados o
julgaram louco; todavia, robustecido e feliz, o milionário vigilante voltou a possuir
no domicílio um santuário aberto e os gênios da alegria oculta passaram a viver em
seu coração.
Silenciando o Mestre, Tiago, que comandava a palestra da noite, exclamou,
entusiasta:
— Senhor, que ensinamento valioso e sublime!...
Jesus sorriu e respondeu:
— Sim, mas apenas para aqueles que tiverem «ouvidos de ouvir» e «olhos de
ver.

A caridade desconhecida

A conversação em casa de Pedro versava, nessa noite, sobre a prática do bem,
com a viva colaboração verbal de todos.
Como expressar a compaixão, sem dinheiro? por que meios incentivar a
beneficência, sem recursos monetários?
Com essas interrogativas, grandes nomes da fortuna material eram invocados e
a maioria inclinava-se a admitir que sômente os poderosos da Terra se encontravam
à altura de estimular a piedade ativa, quando o Mestre interferiu, opinando,
bondoso:
— Um sincero devoto da Lei foi exortado por determinações do Céu ao exercício
da beneficência; entretanto, vivia em pobreza extrema e não podia, de modo algum,
retirar a mínima parcela de seu salário para o socorro aos semelhantes. Em
verdade, dava de si mesmo, quanto possível, em boas palavras e gestos pessoais
de conforto e estímulo a quantos se achavam em sofrimento e dificuldade; porém,
magoava-lhe o coração a impossibilidade de distribuir agasalho e pão com os
andrajosos e famintos à margem de sua estrada.
Rodeado de filhinhos pequeninos, era escravo do lar que lhe absorvia o suor.
Reconheceu, todavia, que, se lhe era vedado o esforço na caridade pública,
podia perfeitamente guerrear o mal, em todas as circunstâncias de sua marcha pela
Terra.
Assim é que passou a extinguir, com incessante atenção, todos os pensamentos
inferiores que lhe eram sugeridos; quando em contacto com pessoas interessadas
na maledicência, retraia-se, cortês, e, em respondendo a alguma interpelação
direta, recordava essa ou aquela pequena virtude da vítima ausente; se alguém,
diante dele, dava pasto à cólera fácil, considerava a ira como enfermidade digna de
tratamento e recolhia-se à quietude; insultos alheios batiam-lhe no espírito à
maneira de calhaus em barril de mel, porqüanto, além de não reagir, prosseguia
tratando o ofensor com a fraternidade habitual; a calúnia não encontrava acesso em
sua alma, de vez que toda denúncia torpe se perdia, inútil, em seu grande silêncio;
reparando ameaças sobre a tranquilidade de alguém, tentava desfazer as nuvens
da incompreensão, sem alarde, antes que assumissem feição tempestuosa; se
alguma sentença condenatória bailava em torno do próximo, mobilizava,
espontâneo, todas as possibilidades ao seu alcance na defesa delicada e
imperceptível; seu zelo contra a incursão e a extensão do mal era tão fortemente
minucioso que chegava a retirar detritos e pedras da via pública, para que não
oferecessem perigo aos transeuntes.
Adotando essas diretrizes, chegou ao termo da jornada humana, incapaz de
atender às sugestões da beneficência que o mundo conhece. Jamais pudera
estender uma tigela de sopa ou ofertar uma pele de carneiro aos irmãos
necessitados.
Nessa posição, a morte buscou-o ao tribunal divino, onde o servidor humilde
compareceu receoso e desalentado. Temia o julgamento das autoridades celestes,
quando, de improviso, foi aureolado por brilhante diadema, e, porque indagasse, em
lágrimas, a razão do inesperado prêmio, foi informado de que a sublime
recompensa se referia à sua triunfante posição na guerra contra o mal, em que se
fizera valoroso empreiteiro.
amigo:
— Distribuamos o pão e a cobertura, acendamos luz para a ignorância e
intensifiquemos a fraternidade aniquilando a discórdia, mas não nos esqueçamos do
combate metódico e sereno contra o mal, em esforço diário, convictos de que,
nessa batalha santificante, conquistaremos a divina coroa da caridade
desconhecida.
Fixou o Mestre nos aprendizes o olhar percuciente e calmo e concluiu, em tom

A receita da felicidade

Tadeu, que era dos comentaristas mais inflamados, no culto da Boa Nova, em
casa de Pedro, entusiasmara-se na reunião, relacionando os imperativos da
felicidade humana e clamando contra os dominadores de Roma e contra os rabinos
do Sinédrio.
Tocado de indisfarçável revolta, dissertou largamente sobre a discórdia e o
sofrimento reinantes no povo, situando-lhes a causa nas deficiências políticas da
época, e, depois que expendeu várias considerações preciosas, em torno do
assunto, Jesus perguntou-lhe:
—Tadeu, como interpreta você a felicidade?
—Senhor, a felicidade é a paz de todos.
O Cristo estampou significativa expressão fisionômica e ponderou:
—Sim, Tadeu, isto não desconheço; entretanto, estimaria saber como se
sentiria você realmente feliz.
O discípulo, com algum acanhamento, enunciou:
—Mestre, suponho que atingiria a suprema tranquilidade se pudesse alcançar a
compreensão dos outros.
Desejo, para esse fim, que o próximo me não despreze as intenções nobres e
puras.
Sei que erro, muitas vezes, porque sou humano; entretanto, ficaria contente se
aqueles que convivem comigo me reconhecessem o sincero propósito de acertar.
Respiraria abençoado júbilo se pudesse confiar em meus semelhantes, deles
recebendo a justa consideração de que me sinta credor, em face da elevação de
meu ideal.
Suspiro pelo respeito de todos, para que eu possa trabalhar sem impedimentos.
Regozijar-me-ia se a maledicência me esquecesse.
Vivo na expectativa da cordialidade alheia e julgo que o mundo seria um paraíso
se as pessoas da estrada comum se tratassem de acordo com o meu anseio
honesto de ser acatado pelos demais.
A indiferença e a calúnia doem-me no coração.
Creio que o sarcasmo e a suspeita foram organizados pelos Espíritos das
trevas, para tormento das criaturas.
A impiedade é um fel quando dirigida contra mim, a maldade é um fantasma de
dor quando se põe ao meu encontro.
Em razão de tudo isso, sentir-me-ia venturoso se os meus parentes, afeiçoados
e conterrâneos me buscassem, não pelo que aparento ser nas imperfeições do
corpo, mas pelo conteúdo de boa-vontade que presumo conservar em minhalma.
Acima de tudo. Senhor, estaria sumamente satisfeito se quantos peregrinam
comigo me concedessem direito de experimentar livremente o meu gênero de
felicidade pessoal, desde que me sinta aprovado pelo código do bem, no campo de
minha consciência, sem ironias e críticas descabidas.
Resumindo, Mestre, eu queria ser compreendido, respeitado e estimado por
todos, embora não seja, ainda, o modelo de perfeição que o Céu espera de mim,
com o abençoado concurso da dor e do tempo.
Calou-se o apóstolo e esboçou-se, na sala singela, incontido movimento de
curiosidade ante a opinião que o Cristo adotaria.

Alguns dos companheiros esperavam que o Amigo Celeste usasse o verbo
em comprida dissertação, mas o Mestre fixou os olhos muito límpidos no discípulo e
falou com franqueza e doçura:
— Tadeu, se você procura, então, a alegria e a felicidade do mundo inteiro,
proceda para com os outros, como deseja que os outros procedam para com você.
E caminhando cada homem nessa mesma norma, muito breve estenderemos na
Terra as glórias do Paraíso.

A bênção do estímulo

Comentavam os aprendizes que a verdade constitui dever primordial, acima de todas as obrigações comuns, quando Filipe afiançou que, a pretexto de cultuar-se a realidade, ninguém deveria aniquilar a consolação. E talvez por reportar-se André à franqueza com que o Mestre atendia aos mais variados problemas da vida, o
Senhor tomou a palavra e contou, atencioso:
— Devotado chefe de familia que lutava com bravura por amealhar recursos com que pudesse sustentar o barco doméstico, depois de desfrutar vasto período de fartura, viu-se pobre e abandonado pelos melhores amigos, de uma semana para outra, em virtude de enorme desastre comercial. O infeliz não soube suportar o
golpe que o mundo lhe vibrava no espírito e morreu, após alguns dias, ralado por inomináveis dissabores. Entregue a si mesma, ao pé de seis filhos jovens, a valorosa viúva enxugou o pranto e reuniu os rebentos, ao redor de velha mesa que lhes restava, e verificou que os moços amargurados pareciam absolutamente vencidos pela tristeza e pelo desânimo. Cercada de tantas lamentações e lágrimas, a senhora meditou, meditou... e, em seguida, dirigiu-se ao interior, de onde voltou sobraçando pequena caixa de
madeira, cuidadosamente cerrada, e falou aos rapazes com segurança:

— «Meus filhos, não nos achamos em tamanha miserabilidade. Neste cofre
possuímos valioso tesouro que a previdência paterna: lhes deixou. É fortuna capaz
de fazer a nossa felicidade geral; entretanto, os maiores depósitoS do mundo
desaparecem quando não se alimentam nas fontes do trabalho honesto e produtivo.
Em verdade, o nosso ausente, quando desceu ao repouso, nos empenhou em
dívidas pesadas; todavia, não será justo o esforço pelas resgatar com a
preservação de nosso precioso legado? Aproveitemos o tempo, melhorando a
própria sorte e, se concordam comigo, abriremos a caixa, mais tarde, a menos que
as exigências do pão se façam insuperáveis».
Belo sorriso de alegria e reconforto apareceu no semblante de todos.
Ninguém discordou da sugestão materna.
No dia seguinte, os seis jovens atacaram corajosamente o serviço da terra.
Valendo-se de grande gleba alugada, plantaram o trigo, com imenso desvelo, em
valoroso trabalho de colaboração e, com tanto devotamento se portaram que, findos
seis anos, os débitos da família se achavam liquidados, enorme propriedade rural
fora adquirida e o nome do pai coroado, de novo, pela honra justa e pela fortuna
próspera.
Quando já haviam superado de muito os bens perdidos pelo pai, reuniram-se,
certa noite, com a genitora, a fim de conhecerem o legado intacto.
A velhinha trouxe o cofre, com inexcedível carinho, sorriu satisfeita e abriu-o
sem grande esforço. Com assombro dos filhos, porém, dentro do estojo
encontraram sômente velho pergaminho com as belas palavras de Salomão:
— “O filho sábio alegra seu pai, mas o filho insensato é a tristeza de sua mãe.
Os tesouros da impiedade de nada aproveitam; contudo, a justiça livra-nos da morte
no mal. O Senhor não deixa com fome a alma do justo; entretanto, recusa a fazenda
dos ímpios. Aquele que trabalha com mão enganosa, empobrece; todavia, a mão
dos diligentes enriquece para sempre».
Entreolharam-se os rapazes com júbilo indizível e agradeceram a inolvidável
lição que o carinho materno lhes havia doado.
Silenciou o Mestre, sob a expressão de contentamento e curiosidade dos
discípulos e, finda a ligeira pausa, terminou, sentencioso:
— Quem classificaria de enganadora e mentirosa essa grande mulher? Seja o
nosso falar assim, sim» e «não, não» nos lances graves da vida, mas nunca
espezinhemos a bênção do estimulo nas lutas edificantes de cada dia. O grelo tenro
é a promessa do fruto. A pretexto de acender a luz da verdade, que ninguém destrua
a candeia da esperança.

domingo, 12 de dezembro de 2010

PENSA UM POUCO

 “As obras que eu faço em nome de meu Pai, essas testificam de mim.” — Jesus.
(JOÃO, CAPÍTULO 10, VERSÍCULO 25.)

É vulgar a preocupação do homem comum, relativamente às tradições familiares e aos institutos terrestres a que se prende, nominalmente, exaltando-se nos títulos convencionais que lhe identificam a personalidade.
Entretanto, na vida verdadeira, criatura alguma é conhecida por semelhantes processos. Cada Espírito traz consigo a história viva dos próprios feitos e somente as obras efetuadas dão a conhecer o valor ou o demérito de cada um.
Com o enunciado, não desejamos afirmar que a palavra esteja desprovida de suas vantagens indiscutíveis; todavia, é necessário compreender-se que o verbo é também profundo potencial recebido da Infinita Bondade, como recurso divino, tornando-se indispensável saber o que estamos realizando com esse dom do Senhor Eterno.
A afirmativa de Jesus, nesse particular, reveste-se de imperecível beleza.
Que diríamos de um Salvador que estatuísse regras para a Humanidade, sem partilharlhe as dificuldades e impedimentos?
O Cristo iniciou a missão divina entre homens do campo, viveu entre doutores irritados e pecadores rebeldes, uniu-se a doentes e aflitos, comeu o duro pão dos pescadores humildes e terminou a tarefa santa entre dois ladrões.
Que mais desejas? Se aguardas vida fácil e situações de evidência no mundo, lembrate do Mestre e pensa um pouco.

MÃOS À OBRA

“Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação.” — Paulo. (1ª EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS, CAPÍTULO 14, VERSÍCULO 26.)


A igreja de Corinto lutava com certas dificuldades mais fortes, quando Paulo lhe escreveu a observação aqui transcrita.O conteúdo da carta apreciava diversos problemas espirituais dos companheiros do Peloponeso, mas podemos insular o versículo e aplicá-lo a certas situações dos novos
agrupamentos cristãos, formados no ambiente do Espiritismo, na revivescência do Evangelho.
Quase sempre notamos intensa preocupação nos trabalhadores, por novidades em fenomenologia e revelação.
Alguns núcleos costumam paralisar atividades quando não dispõem de médiuns adestrados.
Por quê?
Médium algum solucionará, em definitivo, o problema fundamental da iluminação dos companheiros.
Nossa tarefa espiritual seria absurda se estivesse circunscrita à freqüência mecânica de muitos, a um centro qualquer, simplesmente para assinalarem o esforço de alguns poucos.
Convençam-se os discípulos de que o trabalho e a realização pertencem a todos e que é imprescindível se movimente cada qual no serviço edificante que lhe compete.
Ninguém alegue ausência de novidades, quando vultosas concessões da esfera superior aguardam a firme decisão do aprendiz de boa-vontade, no sentido de conhecer a
vida e elevar-se.
Quando vos reunirdes, lembrai a doutrina e a revelação, o poder de falar e de interpretar de que já sois detentores e colocai mãos à obra do bem e da luz, no aperfeiçoamento indispensável.

Emmanuel

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A exaltação da cortesia

À frente da multidão de sofredores e desalentados, relacionou o Mestre as bemaventuranças,
destacando, com ênfase, a declaração de que os mansos herdariam
a Terra.
A afirmativa, porém, soou entre os discípulos de maneira menos agradável.
Tal asserção não seria encorajamento à ociosidade mental?
Se o Evangelho reclamava espíritos valorosos na sementeira das verdades renovadoras, como acomodar a promessa com a necessidade do destemor? Se o mal era atrevido e contundente, em todos os climas e posições, como estabelecer o triunfo inadiável do bem através da incapacidade de reagir, embora pacificamente?
Nessas interrogações imprecisas, reuniu-se a assembleia familiar no domicilio de Pedro.
Iniciados os comentários edificantes da noite, entreolhavam-se os discípulos entre a indagação e a curiosidade.
O Divino Amigo parecia perceber os motivos da expectação, em torno, mas esperava, sereno, que os seguidores se pronunciassem.
Foi então que Judas, rompendo o véu de respeito que aureolava a presença do Mestre, inquiriu, loquaz:
— Senhor, por que atribuiste aos mansos a posse final da Terra? Os corações acovardados
gozarão de semelhante bênção? Os incapazes de testemunhar a fé, nos momentos graves de luta
e sacrifício, serão igualmente bem-aventurados? Jesus não respondeu, de imediato.Vagueou o olhar, através dos circunstantes, como a pedir-lhes a exposição de quaisquer dúvidas que lhes povoassem a alma.
Pedro cobrou ânimo e perguntou:
— Sim, Mestre: se um malfeitor visitar-me a casa, não devo recordar-lhe os imperativos do acatamento recíproco? entregar-me-ei sem qualquer admoestação fraternal aos seus delituosos caprichos, a pretexto de guardar a mansidão a que te referiste?
O Cristo sorriu, como tantas vezes, e enunciou, calmo:
— Enganaram-se todos, naturalmente. Eu não fiz o elogio da preguiça, que se mascara de humildade, nem da covardia que se veste de cordura para melhor acomodar-se às conveniências humanas. As criaturas que se afeiçoam a semelhantes artifícios sofrerão duramente os instrumentos espirituais de que o mundo se utiliza para reajustar os caracteres tortuosos e indecisos. Exaltei, na realidade, a cortesia de que somos credores uns dos outros. Bem-aventurados os homens de trato ameno que sabem usar a energia construtiva entre o gesto de bondade e o verbo da compreensão! Bem-aventurados os filhos do equilíbrio e da gentileza que aprendem a negar o mal, sem ferir o irmão ignorante que o solicita sem saber o que pede! Abençoados os que repetem mil vezes a mesma lição, sem alarde, para que o próximo lhes aproveite a influenciação na felicidade justa de todos! Bem-aventurados aqueles que sabem tratar o rico e o pobre, o sábio e o inculto, o bom e o mau, com espírito de serviço e entendimento, dando a cada um,de conformidade com os seus méritos e necessidades e deixando os sinais de melhoria, de elevação, bem-estar e contentamento por onde cruzam! Em verdade
que acolhe os semelhantes, dentro das normas do amor e do respeito, é senhor dos corações que se aperfeiçoam no mundo!
Alívio e alegria transbordaram do ânimo geral e, de olhos fitos, agora, nas águas imensas do grande lago, o Senhor pediu a Mateus encerrasse o fraterno entendimento da noite, pronunciando uma prece.
vos digo que a eles pertencerá o domínio espiritual da Terra, porque todo aquele

O auxílio mútuo

Diante dos companheiros, André leu expressivo trecho de Isaías e falou,comovido, quanto às necessidades da salvação.
Comentou Mateus os aspectos menos agradáveis do trabalho e Filipe opinou que é sempre muito difícil atender à própria situação, quando nos consagramos ao socorro dos outros.
Jesus ouvia os apóstolos em silêncio e, quando as discussões, em derredor, se enfraqueceram, comentou, muito simples:
—Em zona montanhosa, através de região deserta, caminhavam dois velhos amigos, ambos enfermos, cada qual a defender-se, quanto possível, contra os golpes do ar gelado, quando foram surpreendidos por uma criança semimorta, na estrada, ao sabor da ventania de inverno.
Um deles fixou o singular achado e clamou, irritadiço: — «Não perderei tempo.
A hora exige cuidado para comigo mesmo. Sigamos à frente».
O outro, porém, mais piedoso, considerou:
—«Amigo, salvemos o pequenino. É nosso irmão em humanidade».
—“Não posso — disse o companheiro, endurecido —, sinto-me cansado e
doente. Este desconhecido seria um peso insuportável. Temos frio e tempestade.
Precisamos ganhar a aldeia próxima sem perda de minutos”.
E avançou para diante em largas passadas.
O viajor de bom sentimento, contudo, inclinou-se para o menino estendido,demorou-se alguns minutos colando-o paternalmente ao próprio peito e,aconchegando-o ainda mais, marchou adiante, embora menos rápido.
A chuva gelada caiu, metódica, pela noite a dentro, mas ele, sobraçando o valioso fardo, depois de muito tempo atingiu a hospedaria do povoado que buscava.
Com enorme surpresa, porém, não encontrou aí o colega que o precedera. Sômente no dia imediato, depois de minuciosa procura, foi o infeliz viajante encontrado sem vida, num desvão do caminho alagado.
Seguindo à pressa e a sós, com a ideia egoística de preservar-se, não resistiu à onda de frio que se fizera violenta e tombou encharcado, sem recursos com que pudesse fazer face ao congelamento, enquanto que o companheiro, recebendo, em troca, o suave calor da criança que sustentava junto do próprio coração, superou os obstáculos da noite frígida, guardando-se indene de semelhante desastre.
Descobrira a sublimidade do auxilio mútuo... Ajudando ao menino abandonado,ajudara a si mesmo. Avançando com sacrifício para ser útil a outrem, conseguira triunfar dos percalços da senda, alcançando as bênçãos da salvação recíproca.A história singela deixara os discípulos surpreendidos e sensibilizados.
Terna admiração transparecia nos olhos úmidos das mulheres humildes que acompanhavam a reunião, ao passo que os homens se entreolhavam, espantados.
Foi então que Jesus, depois de curto silêncio, concluiu expressivamente:
— As mais eloquentes e exatas testemunhas de um homem, perante o Pai
Supremo, são as suas próprias obras. Aqueles que amparamos constituem nosso sustentáculo, O coração que socorremos converter-se-á agora ou mais tarde em recurso a nosso favor. Ninguém duvide. Um homem sozinho é simplesmente um adorno vivo da solidão, mas aquele que coopera em benefício do próximo é credor do auxilio comum. Ajudando, seremos ajudados. Dando, receberemos: esta é a Lei
Divina.

O ministro sábio

Mateus discorria, solene, sobre a missão dos que dirigem a massa popular,especificando deveres dos administradores e dificuldades dos servos.
A conversação avançava, pela noite a dentro, quando Jesus, notando que os aprendizes lhe esperavam a palavra amiga, narrou, sorridente:
— Um reino existia, em cuja intimidade apareceu um grande partido de adversários do soberano que o governava. Pouco a pouco, o espírito de rebeldia cresceu em certas famílias revoltadas e, a breves semanas, toda uma província em desespero se ergueu contra o monarca, entravando-lhe as ações.
Naturalmente preocupado, o rei convidou um hábil juiz para os encargos de primeiro ministro do país, desejoso de apagar a discórdia; mas o juiz começou a criar quantidade enorme de leis e documentos escritos, que não chegaram a operar a mínima alteração.
Desiludido, o imperante substituiu-o por um doutrinador famoso, O tribuno,porém, conduzido à elevada posição, desfez-se em discursos veementes e preciosos que não modificaram a perturbação reinante.
Continuavam os inimigos internos solapando o prestigio nacional, quando o soberano pediu o socorro de um sacerdote que, situado em tão nobre posto,amaldiçoou, de imediato, os elementos contrários ao rei, piorando o problema.
Desencantado, o monarca trouxe um médico à direção dos negócios gerais,mas tão logo se viu em palácio, partilhando as honras públicas, o novo ministro afirmou, para conquistar o favor régio, que o partido de adversários da Coroa se constituía de doentes mentais, e fêz disso propaganda tão ruinosa que a indisciplina
se tornou mais audaciosa e a revolta mais desesperada.
Pressentindo o trono em perigo, o soberano substituiu o médico por um general célebre, que tomou providência drástica, arregimentando forças armadas nas regiões fiéis e mobilizando-as contra os irmãos insubmissos. Estabeleceu-se a guerra civil. E quando a morte começou a ceifar vidas inúmeras, inclusive a do
temido lidador militar que se convertera em primeiro ministro do reino, o imperante,de alma confrangida, convidou um sábio a ocupar-se do posto então vazio. Esse chegou à administração, meditou algum tempo e deu início a novas atividades. Não criou novas leis, não pronunciou discursos, não censurou os insurretos, não perdeu tempo em zombaria e nem estimulou qualquer cultura de vingança.Dirigiu-se em pessoa à região conflagrada, a fim de observar-lhe as necessidades.Reparou, aí, a existência de inúmeras criaturas sem teto, sem trabalho e sem instrução, e erigiu casas, criou oficinas, abriu estradas e improvisou escolas,incentivando o serviço e a educação, lutando, com valioso espírito de entendimento e fraternidade, contra a preguiça e a ignorância.Não transcorreu muito tempo e todas as discórdias do reino desapareceram,porque a ação concreta do bem eliminara toda a desconfiança, toda a dureza e
Mateus contemplava o Senhor, embevecidamente, deliciando-se com as ideias de bondade salvadora que enunciara, e Jesus, respondendo-lhe à atenção com luminoso sorriso, acrescentou para finalizar:
— O ódio pode atear muito incêndio de discórdia, no mundo, mas nenhuma teoria de salvação será realmente valiosa sem o justo benefício aos espíritos que a maldade ou a rebelião desequilibraram. Para que o bem possa reinar entre os homens, há de ser uma realidade positiva no campo do mal, tanto quanto a luz há de surgir, pura e viva, a fim de expulsar as trevas.
indecisão dos espíritos enfermiços e inconformados.

A coroa e as asas

Comentava-se, na reunião, as glórias do saber, quando o Cristo, para ilustrar a palestra, contou, despretensioso:— Um homem amante da verdade, informando-se de que o aprimoramento intelectual conduz à divina sabedoria, atirou-se à elevação da montanha da ciência,empenhando todas as forças que possuía no decisivo cometimento. A vereda era sombria qual obscuro labirinto; contudo, o esforçado lidador, olvidando dificuldades e perigos, avançava sempre, trocando de vestuário para melhor acomodar-se às exigências da marcha. De tempos a tempos, lançava à margem da estrada uma túnica que se fizera estreita ou uma alpercata que se lhe afigurava inservível,procurando indumentária nova, até que, um dia, depois de muitos anos, alcançou a desejada culminância, onde um representante de Deus lhe surgiu ao encontro. as mãos fraternais, reconhecendo que também já foram assim, tateantes e imperfeitos... Enquanto, porém, não se decidirem a ajudar o irmão menos esclarecido e menos afortunado, acolhendo-o no próprio espírito, com sinceridade e
O emissário cumprimentou-o, abraçou-o e revestiu-lhe a fronte com deslumbrante coroa de luz. Todavia, quando o vencedor do conhecimento quis prosseguir adiante, na direção do Paraíso, recomendou-lhe o mensageiro que voltasse atrás dos próprios passos, a ver o trilho percorrido e que, de sua atitude na
revisão do caminho, dependeria a concessão de asas com que lhe seria possível voar ao encontro do Pai Eterno.
O interessado regressou, mas, agora, auxiliado pela fulgurante auréola de que fora investido, podia contemplar todos os ângulos da senda, antes inextricável ao seu olhar.
Não conteve o riso, diante das estranhas roupagens de que os viajadores da retaguarda se vestiam.
Aqui, notava uma túnica rota; acolá, uma sandália extravagante. Peregrinos inúmeros se apoiavam em bordões quebradiços, enquanto outros se amparavam em capas misérrimas; entretanto, cada qual, com impertinência infantil, marchava senhor de si, como se envergasse a roupa mais valiosa do mundo.
O vencedor da ciência não suportou as impressões que o quadro lhe causava e abriu-se em frases de zombaria, reprovando acremente a ignorância de quantos seguiam em vestes ridículas ou inadequadas. Gritou, condenou e fêz apodos contundentes. Dirigiu-se à comunidade dos viajantes com tamanha ironia que
muitos renunciaram à subida, retornando à inércia da planície vasta.
Após amaldiçoar a todos, indistintamente, voltou o herói coroado ao cume do monte, na expectativa de partir sem detença ao encontro do Pai, mas o Anjo, muito triste, explicou-lhe que a roupagem dos outros, que lhe provocara tanto sarcasmo inútil, era aquela mesma de que ele se servira para elevar-se, ao tempo em que era frágil e semicego, e que as asas de luz, com que deveria erguer-se ao Trono Divino,sômente lhe seriam dadas, quando edificasse o amor no imo do coração. Faltavam-lhe piedade e entendimento; que ele voltasse demoradamente ao caminho e auxiliasse os semelhantes, sem o que jamais conseguiria equilibrar-se no Céu.
Alguns minutos de silêncio seguiram-se indevassáveis...
O Mestre, todavia, imprimindo significativa ênfase às palavras, terminou:—Há muitas almas, na Terra, ostentando a luminosa coroa da ciência, mas de coração adormecido na impiedade, salientando-se no sarcasmo pueril e na censura indébita. Envenenadas pela incompreensão, exigentes e cruéis, fulminam os
companheiros mais fracos no entendimento ou na cultura, ao invés de estender-lhes 
devotamento, não receberão as asas com que lhes será lícito partir na direção do
Céu.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O revolucionário sincero

No curso das elucidações domésticas, Judas conversava, entusiástico, sobre as
anomalias na governança do povo, e, exaltado, dizia das probabilidades de
revolução em Jerusalém, quando o Senhor comentou, muito calmo:
— Um rei antigo era considerado cruel pelo povo de sua pátria, a tal ponto que o principal dos profetas do reino foi convidado a chefiar uma rebelião de grande alcance, que o arrancasse do Trono.
O profeta não acreditou, de início, nas denúncias populares, mas a multidão insistia.
“O rei era duro de coração, era mau senhor, perseguia, usurpava e flagelava os vassalos em todas as direções» — clamava-se desabridamente.
Foi assim que o condutor de boa-fé se inflamou, igualmente, e aceitou a ideia  de uma revolução por único remédio natural e, por isso, articulou-a em silêncio, com algumas centenas de companheiros decididos e corajosos. Na véspera do cometimento, contudo, como possuía segura confiança em Deus, subiu ao topo dum monte e rogou a assistência divina com tamanho fervor que um Anjo das Alturas lhe foi enviado para confabulação de espírito a espírito.
A frente do emissário sublime, o profeta acusou o soberano, asseverando quanto sabia de oitiva e suplicando aprovação celeste ao plano de revolta renovadora.
O mensageiro anotou-lhe a sinceridade, escutou-o com paciência e esclareceu:
— «Em nome do Supremo Senhor, o projeto ficará aprovado, com uma condição.
Conviverás com o rei, durante cem dias consecutivos, em seu próprio palácio, na posição de servo humilde e fiel, e, findo esse tempo, se a tua consciência perseverar no mesmo propósito, então lhe destruirás o trono, com o nosso apoio».
O chefe honesto aceitou a proposta e cumpriu a determinação.
Simples e sincero, dirigiu-se à casa real, onde sempre havia acesso aos trabalhos de limpeza e situou-se na função de apagado servidor; no entanto, tão logo se colocou a serviço do monarca, reparou que ele nunca dispunha de tempo para as menores obrigações alusivas ao gosto de viver. Levantava-se rodeado de conselheiros e ministros impertinentes, era atormentado por centenas de reclamações de hora em hora. Na qualidade de pai, era privado da ternura dos filhos; na condição de esposo, vivia distante da companheira. Além disso, era obrigado,
frequentemente, a perder o equilíbrio da saúde física, em vista de banquetes e cerimônias, excessivamente repetidos, nos quais era compelido a ouvir toda a sorte de mentiras da boca de súditos bajuladores e ingratos. Nunca dormia, nem se alimentava em horas certas e, onde estivesse, era constrangido a vigiar as próprias palavras, sendo vedada ao seu espírito qualquer expressão mais demorada de vida que não fôsse o artifício a sufocar-lhe o coração.
O orientador da massa popular reconheceu que o imperante mais se assemelhava a um escravo, duramente condenado a servir sem repouso, em plena solidão espiritual, porqüanto o rei não gozava nem mesmo a facilidade de cultivar a comunhão com Deus, por intermédio da prece comum.
Findo o prazo estabelecido, o profeta, radicalmente transformado, regressou ao monte para atender ao compromisso assumido, e, notando que o Anjo lhe aparecia, no curso das orações, implorou-lhe misericórdia para o rei, de quem ele agora se compadecia sinceramente. Em seguida, congregou o povo e notificou a todos os companheiros de ideal que o soberano era, talvez, o homem mais torturado em todo o reino e que, ao invés da suspirada insubmissão, competia-lhes, a cada um,maior entendimento e mais trabalho construtivo, no lugar que lhes era próprio dentro do país, a fim de que o monarca, de si mesmo tão escravizado e tão desditoso,
pudesse cumprir sem desastres a elevada missão de que fora investido.
E, assim, a rebeldia foi convertida em compreensão e serviço.
Judas, desapontado, parecia ensaiar alguma ponderação irreverente, mas o Mestre Divino antecipou-se a ele, falando, incisivo:
— A revolução é sempre o engano trágico daqueles que desejam arrebatar a outrem o cetro do governo. Quando cada servidor entende o dever que lhe cabe no plano da vida, não há disposição para a indisciplina, nem tempo para a insubmissão.


Os descobridores do homem

Finda a leitura de alguns trechos da história de Job, a palestra na residência de
Simão versou acerca da fidelidade da alma ao Pai Todo-Bondoso.
Diante da vibração de alegria em todos os semblantes, Jesus contou, bemhumorado:
— Apareceu na velha cidade de Nínive um homem tão profundamente consagrado a Deus que todos os seus contemporâneos, por isso, lhe rendiam especial louvor. Tão rasgados eram os elogios à sua conduta que as informações subiram ao Trono do Eterno. E, porque vários Arcanjos pedissem ao Todo-Poderoso a transferência dele para o Céu, determinou a Divina Sabedoria fôsse procurado, na selva da carne, a fim de verificar-se, com exatidão, se estava efetivamente
preparado para a sublime investidura.
Para isso, os Anjos Educadores, a serviço do Altíssimo, enviaram à Terra quatro rudes descobridores de homens santificados — e a Necessidade, o Dinheiro, o
Poder e a Cólera desceram, cada qual a seu tempo, para efetuarem as provas indispensáveis.
A Necessidade que, em casos desses, sempre surge em primeiro lugar,aproximou-se do grande crente e se fêz sentir, de vários modos, dando-lhe privações, obstáculos, doenças e abandono de entes amados; entretanto, o devoto,robusto na confiança, compreendeu na mensageira uma operária celeste e venceua,revelando-se cada vez mais firme nas virtudes de que se tornara modelo.
Chegou, então, a vez do Dinheiro. Acercou-se do homem e conferiu-lhe mesa lauta, recursos imensos e considerações sociais de toda sorte; mas o previdente
aprendiz lembrou-se da caridade e, afastando-se das insinuações dos prazeres fáceis, distribuiu moedas e posses em multiplicadas obras do bem, conquistando o
equilíbrio financeiro e a veneração geral.
Vitorioso na segunda prova, veio o Poder, que o investiu de larga e brilhante autoridade. O devoto, contudo, recordou que a vida, com todas as honrarias e dons,
é simples empréstimo da Providência Celestial e usou o Poder com brandura,educando quantos o rodeavam, por intermédio da instrução e do trabalho bem orientados, recebendo, em troca, a obediência e a admiração do povo entre o qual nascera.
Triunfante e feliz, o crente foi visitado, enfim, pela Cólera. De maneira a sondar-lhe a posição espiritual, a instrutora invisível valeu-se dum servo fraco e ignorante e tocou-lhe o amor próprio, falando, com manifesta desconsideração, em assunto privado que, embora expressão da verdade, constituía certo desrespeito a qualquer pessoa de sua estatura social e indiscutível dignidade.
O devoto não resistiu. Intensa onda sanguínea lhe surgiu no rosto congesto e ele se desfez em palavras contundentes, ferindo familiares e servidores e
prejudicando as próprias obras. Sômente depois de muitos dias, conseguiu restaurar a tranquilidade, quando, porém, a Cólera já lhe havia desnudado o íntimo,
revelando-lhe o imperativo de maior aperfeiçoamento e notificando ao Senhor que aquele filho, matriculado na escola de iluminação, ainda requeria muito tempo, na
experiência purificadora, para situar-se nas vibrações gloriosas da vida superior.
Curiosidade geral transparecia do semblante de todos os presentes, que não ousaram trazer à baila qualquer nova ponderação. Estampando no rosto sereno sorriso, o Cristo terminou:
— Quando o homem recebe todas as informações de que necessita para elevar-se ao Céu, determina o Pai Amoroso seja ele procurado pelas potências educadoras. A maioria dos crentes perdem a boa posição, que aparentemente desfrutavam,nos exercícios da Necessidade que lhes examina a resistência moral;
muitos voltam estragados das sugestões do Dinheiro que lhes observa o desprendimento dos objetivos inferiores e a capacidade de agir na sementeira do bem; alguns caem, desastradamente, pelas insinuações do Poder que lhes
experimenta a competência para educar e salvar os companheiros da jornada humana, e raríssimos são aqueles que vencem a visita inesperada da Cólera, que
vem ao círculo do homem anotar-lhe a diminuição do amor próprio, sem a qual o espírito não reflete o brilho e a grandeza do Criador, nos campos da vida eterna.
O Mestre calou-se, sorriu compassivamente, de novo, e, porque ninguém retomasse a palavra, a reunião da noite foi encerrada.