terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O dom esquecido

Centralizara-se geral atenção em torno de curiosa palestra referente aos dons
com que o Céu aquinhoa as almas, na Terra, quando o Senhor comentou, paciente:
— Existiu um homem banhado pela graça do merecimento, que recebeu do Alto
a permissão de abeirar-se do Anjo Dispensador dos dons divinos que florescem no
mundo.
Ante o Ministro Celeste, o mortal venturoso pediu a bênção da Mocidade.
Recebeu a concessão, mas, em breve, reconheceu que a juventude poderia ser
força e beleza, mas também era inexperiência e fragilidade espiritual, e, já
desinteressado, voltou ao Doador Sublime e solicitou-lhe a Riqueza.
Conseguiu a abastança e gozou-a, longo tempo; todavia, reparou que a
retenção de grandes patrimônios provoca a inveja maligna de muitos. Cansando-se
na defesa laboriosa dos próprios bens, procurou o Anjo e rogou-lhe a Liberdade.
Viu-se realmente livre. No entanto, foi defrontado por cruéis demônios invisíveis,
que lhe perturbaram a caminhada, enchendo-lhe a cabeça de inquietudes e
tentações.
Extenuado, em face do permanente conflito interior em que vivia, retornou ao
Celeste Dispensador e suplicou o Poder.
Entrou na posse da nova dádiva e revestiu-se de grande autoridade. Entendeu,
porém, mais cedo que esperava, que o mando gera ódio e revolta nos corações
preguiçosos e incompreensíveis e, atormentado pelos estiletes ocultos da
indisciplina e da discórdia, dirigiu-se ao benfeitor• e implorou-lhe a Inteligência.
Todavia, na condição de cientista e homem de letras, perdeu o resto de paz que
desfrutava. Compreendeu, depressa, que não lhe era possível semear a realidade,
de acordo com os seus desejos. Para não ser vitima da reação destruidora dos
próprios beneficiados, era compelido a colocar um grão de verdade entre mil flores
de fantasia passageira e, longe de acomodar-se à situação, tornou à presença do
Anjo e pediu-lhe o Matrimônio Feliz.
Satisfeito em seu novo desígnio, reconfortou-se em milagroso ninho doméstico,
estabelecendo graciosa família, mas, um dia, apareceu a morte e roubou-lhe a
companheira.
Angustiado pela viuvez, procurou o Ministro do Eterno e afirmando que se
equivocara, mais uma vez, suplicou-lhe a graça da Saúde.
Recebeu a concessão. Entretanto, logo que se escoaram alguns anos, surgiu a
velhice e desfigurou-lhe o corpo, desgastando-o e enrugando-o sem compaixão.
Atormentado e incapaz agora de ausentar-se de casa, o Anjo amigo veio ao
encontro dele e, abraçando-o, paternal, indagou que novo dom pretendia do Alto.
O infeliz declarou-se em falência.
Que mais poderia pleitear?
Foi então que o glorioso mensageiro lhe explicou que ele, o candidato à
felicidade, se esquecera do maior de todos os dons que pode sustentar um homem
no mundo, o dom da Coragem que produz entusiasmo e bom ânimo para o serviço
indispensável de cada dia...
Jesus interrompeu-se por alguns minutos; depois, sorrindo ante a pequena
assembleia, rematou:
- Formosa é a Mocidade, agradável é à Fortuna, admirável é a Liberdade,
para Deus, de pouca utilidade são os dons temporários na experiência transitória.
E tomando ao colo um dos meninos presentes, indicou-lhe o firmamento estrelado, como a dizer que sômente no Alto a felicidade perene das criaturas encontraria a verdadeira pátria.
brilhante é o Poder, respeitável é a Inteligência, santo é o Casamento Venturoso,bendita é a Saúde da carne, mas se o homem não possui Coragem para sobreporse aos bens e males da vida humana, a fim de aprender a consolidar-se no caminho

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