terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O rico vigilante

Tiago, o mais velho, em explanação preciosa, falou sobre as ânsias de riqueza,
tão comuns em todos os mortais, e, findo o interessante debate doméstico, Jesus
comentou, sorridente:
— Um homem temente a Deus e consagrado à retidão, leu muitos conselhos
alusivos à prudência, e deliberou trabalhar, com afinco, de modo a reter um tesouro
com que pudesse beneficiar a família. Depois de sentidas orações, meteu-se em
várias empresas, aflito por alcançar seus fins. E, por vinte anos consecutivos,
ajuntam tou moeda sobre moeda, formando o patrimônio de alguns milhões.
Quando parou de agir, a fim de apreciar a sua obra, reconheceu, com
desapontamento, que todos os quadros da própria vida se haviam alterado, sem
que ele mesmo percebesse.
O lar, dantes simples e alegre, adquirira feição sombria. A esposa fizera-se
escrava de mil obrigações destinadas a matar o tempo; os filhos cochichavam entre
si, consultando sobre a herança que a morte do pai lhes reservaria; a amizade fiel
desertara; os vizinhos, acreditando-o completamente feliz, cercaram-no de inveja e
ironia; as autoridades da localidade em que vivia obrigavam-no a dobradas atitudes
de artifício, em desacordo com a sinceridade do seu coração. Os negociantes
visitavam-no, a cada instante, propondo-lhe transações criminosas ou descabidas;
servidores bajulavam-no, com declarado fingimento quando ao lado de seus
ouvidos. para lhe amaldiçoarem o nome, por trás de portas semicerradas. Em razão
de tantos distúrbios, era compelido a transformar a residência numa fortaleza,
vigiando-se contra tudo e contra todos.
Sobrava-lhe tempo, agora, para registrar as moléstias do corpo e raramente
passava algum dia sem as irritações do estômago ou sem dores de cabeça.
Em poucas semanas de meticulosa observação, concluiu que a fortuna
trancafiada no cofre era motivo de desilusões e arrependimentos sem termo.
Em certa noite, porque não mais tolerasse as preocupações obcecantes do novo
estado, orou em lágrimas, suplicando a inspiração do Senhor. Depois da comovente
rogativa, eis que um anjo lhe aparece na tela evanescente do sonho e lhe diz,
compadecido:
— Toda fortuna que corre, à maneira das águas cristalinas da fonte, é uma
bênção viva, mas toda riqueza, em repouso inútil, é poço venenoso de águas
estagnadas... Por que exigiste um rio, quando o simples copo d’água te sacia a
sede? como te animaste a guardar, ao redor de ti, celeiros tão recheados, quando
alguns grãos de trigo te bastam à refeição? que motivos te induziram a amontoar
centenas de peles, em torno do lar, quando alguns fragmentos de lã te aquecem o
corpo, em trânsito para o sepulcro?... Volta e converte a tua arca de moedas em
cofre milagroso de salvação! Estende os júbilos do trabalho, cria escolas para a
sementeira da luz espiritual e improvisa a alegria a muitos! Sômente vale o dinheiro
da Terra pelo bem que possa fazer!
Sob indizível espanto, o caçador de ouro despertou transformado e, do dia
seguinte em diante, passou a libertar as suas enormes reservas, para que todos os
seus vizinhos tivessem, junto dele, as bênçãos do serviço e do bom ânimo...
Desde o primeiro sinal de semelhante renovação, a esposa fixou-o com
estranheza e revolta, os filhos odiaram-no e os seus próprios beneficiados o
julgaram louco; todavia, robustecido e feliz, o milionário vigilante voltou a possuir
no domicílio um santuário aberto e os gênios da alegria oculta passaram a viver em
seu coração.
Silenciando o Mestre, Tiago, que comandava a palestra da noite, exclamou,
entusiasta:
— Senhor, que ensinamento valioso e sublime!...
Jesus sorriu e respondeu:
— Sim, mas apenas para aqueles que tiverem «ouvidos de ouvir» e «olhos de
ver.

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